O JOVEM KARL MARX



Circulando nas redes sociais o filme “O Jovem Marx” (e há uma versão disponível no Youtube escapando ao muro de silêncio da mídia, clique aqui) é peça obrigatória para quem quer entender o mundo de hoje. Atualíssimo exprime desde o nascedouro, a gênese de ideias que mudaram a história do século XX e persistem de grande atualidade.


O mundo mudou desde então. O proletariado europeu, por exemplo, acabou sendo beneficiado pelas conquistas materiais dos impérios. Isso turvou a clareza meridiana da exploração direta do seu trabalho e enfraqueceu a sua identidade política. E isso numa Europa em que o Estado foi sendo progressivamente ampliado (pela ação do próprio proletariado), evoluindo daquela condição primeva, ali retratada, do governo pela força, para a sua forma atual onde deve curvar-se a uma Sociedade Civil que o obriga, a depender do grau de cidadania de cada sociedade, a formas mais ou menos avançadas de formação do consenso. Essas realidades modelaram as lutas mostradas ali, tal como modelam as de hoje, mas a alma é a mesma.


O essencial, portanto está ali e muito pode nos ser útil numa leitura do que possa haver de comum entre o momento atual e aquele, em que o capitalismo brotava claro como água de rocha, nos centros dos grandes impérios europeus desprovido de quaisquer subterfúgios ideológicos ou de concessões materiais em troca de consenso político. Em 1848 o capitalismo emergia em Londres, e em toda a Europa, como o que realmente sempre foi: uma escravidão assalariada, uma impiedosa moenda de corpos e de almas.



Em que entendo que o filme é não somente atual, como também futurista?

1 - A reflexão de Marx e Engels nasce na intelectualidade mas busca o povo para o protagonismo político;

2 - Ambos estão convencidos da imensa relevância do que estão fazendo e elaborando, o que os leva a uma jornada onde não escolhem arenas;

3 - Ambos têm uma gigantesca liberdade interior para romper com os paradigmas de suas sociedades e para fundar, ao nível pessoal, famílias onde os limites entre as classes sociais não existem mais;

4 - O projeto atravessa as suas vidas, onde as necessidades materiais e a pobreza são entendidas como parte da jornada.

5 - Finalmente, por sua ação política revolucionária, não criam partido à parte, antes se esforçam para, no pouco que há de Sociedade Civil, ali ilustrada pela Liga dos Justos, espraiar influência através de uma tentativa permanente de consolidar um consenso no proletariado sobre o diagnóstico da sociedade capitalista e sobre o que fazer.


Hoje diria que tudo isso nos interessa por questões como:

1 - As ideias demoram a florescer, o filme poderia ser visto como retratando os primórdios das revoluções do século XX, separadas daquele contexto por um lapso de tempo de quase um século; - não desesperemos -

2 - É necessário alimentar o protagonismo do povo e dar à intelectualidade de esquerda, situada nas camadas médias, um papel nesse fomento; - não nos apequenemos -

3 - É necessária a certeza absoluta da relevância das tarefas que se põem hoje, sendo o nosso problema contemporâneo o fato de que não há consensos nem sobre diagnósticos, nem sobre o que fazer, como não há força atuante interessada em construí-los; - construamos a unidade com base nos interesses do povo -

4 - É necessária a ruptura com a estrutura classista e escravocrata, que parte da intelectualidade da esquerda carrega nela, e é necessário que levemos essa ruptura ao nível das nossas relações pessoais mais próximas. Ou seja, é preciso que cada um seja semente, na prática, no mundo real, daquilo que acredita no plano das ideias; - não nos curvemos aos privilégios que nos servem e enxerguemos dignidade completa nos oprimidos -

5 - Finalmente a “Liga dos Comunistas”, nome que a “Liga dos Justos” assumiu na sequência, não pretende ser, conforme pode ser depreendido da obra que Marx escreve simultaneamente “O Manifesto do Partido Comunista”, um partido à parte. É antes a criação para o proletariado de um patrimônio comum, interessado não nas lutas conjunturais, que dividem, mas na defesa dos interesses gerais do movimento. Isso se exprime n’O Manifesto da seguinte forma:


“Qual a posição dos comunistas diante dos proletários em geral? Os comunistas não formam um partido à parte, oposto aos outros partidos operários. Não têm interesses que os separem do proletariado em geral. Não procla­mam princípios particulares, segundo os quais pretende­riam modelar o movimento operário. Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários em dois pontos: 1) Nas diversas lutas nacionais dos proletários, destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente da nacionalidade; 2) Nas diferentes fases por que passa a luta entre proletários e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os interesses do movimento em seu conjunto.”



Finalmente, o filme mostra um marxismo juvenil, libertário e revolucionário antes de Lenin.

E, é claro, também por isto o filme tem muito a nos dizer.

Por Ion de Andrade (Jornal GGN)


Ficha Técnica

Título Original: Le jeune Karl Marx
Origem: Alemanha, França, Bélgica
Ano de produção: 2017
Gênero: Drama, Biografia
Duração: 118 min
Classificação: 14 anos
Direção: Raoul Peck
Elenco: August Diehl, Stefan Konarske, Vicky Krieps
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