DESAFIOS BRASILEIROS NA ERA DOS GIGANTES


Os quatro grandes desafios do Brasil são "a redução, gradual e firme, das extraordinárias disparidades sociais, a eliminação das crônicas vulnerabilidades externas, a construção do potencial brasileiro e a consolidação de uma democracia efetiva, em um cenário mundial violento, imprevisível e instável". É o que nos diz o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães no fim do primeiro capítulo deste livro. E completa: "A reflexão sobre uma estratégia de desenvolvimento (...) deve iniciar-se pela análise da população brasileira, como mão-de-obra produtora e como cidadania política."
Estabelece-se assim um ponto de partida que difere fundamentalmente das análises correntes da situação brasileira, há muitos anos dominadas por diferentes versões de "macroeconomias do curto prazo". Obcecadas pelos fluxos financeiros, elas são cegas para outras questões muito mais fundamentais: estruturas de poder, território, história, população, capacidade técnica, cultura, vontade. São, justamente, as questões que predominam no olhar de Samuel Pinheiro Guimarães. Escrevendo com simplicidade e profundidade, Samuel enfrenta de frente os maiores mitos difundidos pelos meios de comunicação de massas, busca sempre uma visão sistêmica das questões que aborda e não esconde que defende, intransigentemente, os interesses do Brasil. Opõe-se, assim, aos fundamentos dos programas aplicados na década de 1990, aqui e em muitos outros países, com o patrocínio e a inspiração do sistema financeiro internacional e as instituições que ele controla, e com a conivência de parceiros internos. Os aspectos comuns desses programas são o desmonte dos mecanismos de solidariedade social, o enfraquecimento dos Estados nacionais e a subordinação crescente de cada economia aos movimentos, cada vez mais voláteis, do capital financeiro.


Os monumentais fracassos dessas políticas são sempre imputados aos elos mais fracos. Dentro de cada sociedade, o indivíduo é culpado pela sua própria exclusão, como se não vivesse imerso em relações sociais que são decisivas para definir que oportunidades terá. No sistema internacional, os efeitos da desordem financeira são jogados nas costas dos países periféricos, pois as crises recorrentes teriam origem em ambientes domésticos insuficientemente adaptados ao receituário universal da modernidade. O modelo de economia e de sociedade proposto não pode ser julgado, pois nunca está completamente implantado. A conclusão se repete monotonamente: dobrar a aposta, seguir em frente, produzir mais do mesmo, pois sempre falta fazer novas supostas "reformas".


Massificado pelos meios de comunicação, esse raciocínio circular provoca um colapso do pensamento. Com o tempo, as sociedades se tornam incapazes de definir uma agenda própria de desenvolvimento. Deixam de reconhecer seus problemas e suas potencialidades. Abandonam a ideia de ter um projeto. Acostumam-se a viver em crise crônica. Aceitam a tirania das questões de curto prazo. Passam a gravitar em torno de temas artificiais e importados. O livro de Samuel Pinheiro Guimarães é uma ousada contribuição intelectual para superarmos esse quadro e recuperarmos nossa capacidade de fazer uma agenda própria de desenvolvimento. Uma contribuição muito bem-vinda, no momento em que o Brasil e a América Latina começam a reconstruir seus caminhos.

Por: César Benjamin

Autor

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Economia pela Universidade de Boston, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães foi professor da Universidade de Brasília, do Instituto Rio Branco, da Escola de Políticas Públicas e Governo e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi coordenador do curso de pós-graduação em comércio exterior e câmbio da Fundação Getúlio Vargas, vice-presidente da Embrafilme e diretor de cooperação internacional da Sudene. Foi chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais e secretário-geral das Relações Exteriores do Brasil. É autor do livro "Quinhentos anos de periferia" (Contraponto, 1999, quarta edição).
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